sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Novo tratamento para Asperger



PENSAR SOCIAL!


Por Michelle Garcia Winner[1]



Há cerca de dez, quinze anos atrás, aqueles que de nós trabalhavam na área do Espectro do Autismo, começaram a abraçar as competências sociais. Era uma novidade para nós o facto das crianças com Síndrome de Asperger não aprenderem através da observação dos outros, não compreenderem que pessoas diferentes têm reacções diferentes àquilo que as rodeia e verificar que uma série de competências que, aparentemente, aprendemos por osmose (como, por exemplo, perguntar a um colega se quer brincar ou pedir-lhe que partilhe o seu brinquedo, ou saber o que não se deve dizer a um professor) teriam que ser ensinadas de uma forma concreta, repetitiva e paciente a estas crianças.

Agora, um avanço rápido para os nossos dias. Demos um salto gigante na forma como compreendemos o ensino das competências sociais (i.e. ensinar acções sociais que sejam adequadas). Surgiram programas formais, acompanhados de livros e manuais com instruções detalhadas. Os pais "apanharam" a ideia e a maior parte dos professores compreendem a necessidade de incorporar os objectivos e metas das competências sociais no Plano de Apoio Individual (PAI) da criança.

Mas continua a faltar qualquer coisa. Existe uma peça deste puzzle que permanece no "nevoeiro", indefinida e, por vezes, quase incompreensível. Chama-se Pensamento Social e só agora começamos a ter a percepção do enorme papel que desempenha no processo de ensino-aprendizagem dentro da população com autismo.

O que é o pensamento social? Vamos tentar descrevê-lo de uma forma simples.

Alguma vez reparou o cuidado que põe na escolha das suas palavras quando vai a uma entrevista de trabalho ou a forma discreta como verifica o seu relógio quando está a falar com alguém? E se se encontrar numa situação social completamente nova? Qual a primeira coisa que faz? Observa as pessoas e depois mima as suas ações (ou não, dependendo do sucesso da pessoa que está a observar!). Isso é o pensamento social. É aquilo que fazemos antes de agir.

Aqueles que de nós seguem uma trajetória normal no percurso da aprendizagem social ("neurotípicos" ou NTs), desenvolvem, intuitivamente, um "treinador social interno". Este treinador começa a trabalhar na infância e continua de forma contínua ao longo de toda a nossa vida. O sentido social que desenvolvemos ajuda-nos a negociar num mundo de interações sociais instáveis e contextualmente variáveis.

Aprendemos como nos comportar na presença dos outros sem que, para isso, sejam necessárias instruções diretas. Depois de alguns "tropeções" iniciais na infância, rapidamente aprendemos competências mais sofisticadas. Começamos a perceber que as interações, quer seja com uma ou com várias pessoas, envolvem mais do que apenas os comportamentos observáveis. O seu sucesso depende de uma "dança" cuidadosa, feita de avanços e recuos, que inclui a avaliação das necessidades próprias e dos outros, da história (se existe alguma) entre os intervenientes, e dos pensamentos que têm a respeito um do outro durante a interação. É complicado! E ainda por cima é um sistema em constante modificação! Uma criança aprende que quando o amigo com quem está a brincar se afasta ou começa a olhar ao seu redor, é sinal que está a ficar aborrecido e é melhor que consiga alterar algo para manter o interesse do seu companheiro. Como adultos, aprendemos a esperar até que o nosso chefe deixe de focar a sua atenção em nós, durante uma reunião, para podermos olhar para o relógio.

A nossa capacidade para considerar outras perspectivas, compreender que os nossos comportamentos afetam aquilo que as outras pessoas pensam a nosso respeito e que podemos mudar aquilo que pensam de nós (de forma boa ou má) não é nada que se aprenda num ensino dirigido. Ao contrário, é aprendido intuitivamente ao longo da nossa experiência social, através de uma mente pré-programada para funcionar desta forma, desde o nosso nascimento. Mesmo quando somos bebês a nossa aprendizagem social já está ativa. Os bebês orientam-se para a mãe como fonte de informação: será esta pessoa amigável? Será que devo ter medo deste novo espaço? Somente depois do primeiro ano de vida, as crianças começam a apontar para qualquer coisa que tenha interesse e a olhar para os pais para partilhar o prazer da descoberta. Já lhes faz sentido que algo a que acham piada também possa ser divertido para os outros. Os círculos de comunicação e partilha de experiências vão se tornando cada vez mais largos. Aprendemos acerca dos pensamentos e sentimentos das outras pessoas e, à medida que crescemos, tornamo-nos incrivelmente sofisticados na nossa capacidade para determinar as motivações dos outros, as suas experiências e conhecimentos anteriores, os sistemas de crenças e personalidades.

O pensamento social é necessário de cada vez que partilhamos um espaço com alguém, mesmo que não haja lugar a interação. É comum ajustarmos o nosso comportamento, baseados no que achamos que a outra pessoa está a pensar a nosso respeito. Consegue lembrar-se de alguma vez que tenha atravessado a rua para evitar cruzar-se com uma pessoa que lhe tenha parecido suspeita? E das vezes que evitou o contacto visual com alguém, fingindo não o ter visto, para escapar a uma possível interação?

Existem outros momentos em que o pensamento social desempenha um papel importante. Utilizamo-lo quando lemos livros, para considerar as motivações dos personagens e compreender as suas ações em determinados contextos, quando nos expressamos por escrito, quando vemos televisão ou quando temos uma conversa que não tem o resultado que esperávamos.

Aqueles que nascem com o seu cérebro social completamente funcional podem achar difícil compreender a falta desta capacidade intuitiva para aprendizagem social. É de tal forma uma segunda natureza para os indivíduos neurotípicos, que imaginar qualquer outra maneira de pensar é talvez impensável! O nosso sistema de ensino baseia-se numa construção feita sobre o pensamento social. Mas e aqueles que não têm esta capacidade inata? Como é que os alcançamos?

O pensamento social e as competências sociais relacionadas podem ser ligeira ou significativamente deficitárias nas pessoas dentro do espectro do autismo, nas pessoas com perturbações da aprendizagem não-verbal e em muitas pessoas com déficit de atenção e hiperatividade. Para elas, é um enorme desafio aprender a processar e responder a informação social, de uma forma rápida e eficaz. Por exemplo, indivíduos diagnosticados com "autismo clássico" podem não ter consciência de que pessoas diferentes têm pensamentos diferentes. Algumas crianças podem começar uma conversa a meio de uma frase, porque assumem que todos à sua volta partilham exatamente os mesmos pensamentos, no mesmo momento. Indivíduos com padrões de alto funcionamento, aqueles que são diagnosticados com Síndrome de Asperger, são muitas vezes um duplo dilema. A sua inteligência dotada e as capacidades na área da expressão verbal podem-nos levar a pensar que o seu pensamento social é igualmente adequado. No entanto, na maior parte das vezes, isto é falso. Ainda que possam estar conscientes de que as outras pessoas têm pensamentos diferentes dos seus, é-lhes difícil interpretá-los e responder de uma forma adequada, principalmente à velocidade a que se passa uma interação social, que pode acontecer em breves segundos. Para estas pessoas é extremamente difícil conseguir que o mundo social faça sentido, e, normalmente, não podem contar com a ajuda dos professores e serviços de apoio que são desviados para aqueles que apresentam deficiências notórias.

Aqui, iremos explorar o que significa pensar socialmente, bem como discutir formas práticas de ensinar a pessoas com Síndrome de Asperger estas competências da vida quotidiana. Iremos mostrar como esta informação social não é algo estático, mas sim parte de um sistema dinâmico e sinergético de pensamentos e ações, com regras variáveis na sua sofisticação, de acordo com a idade e contexto. O pensamento social não nos fornece um guia; ao invés disso abre-nos um caminho com muitas escolhas para ajudar os nossos alunos a interagir e a resolver problemas. Quando os pensamentos por trás das suas ações começarem a mudar, veremos que as suas ações sociais melhoram exponencialmente.

Ensinar o pensamento social e as competências sociais relacionadas não é uma abordagem linear, facilmente partida numa seqüência de passos que podemos repetir vezes sem conta. É por isso que é um desafio. No entanto, é também isso que faz desta área uma aventura fascinante e criativa!

Os Quatro Passos da Perspectiva e do Pensamento Social

Os amigos são aquelas pessoas que nos fazem sentir bem acerca de nós próprios. Ainda que isto seja uma verdade simples, fazer amizades é um processo complexo, principalmente para indivíduos com Síndrome de Asperger, para os quais a aprendizagem social é um verdadeiro desafio.


Outro fato, que aprendemos ser verdade ao longo de anos a trabalhar com estes indivíduos e a discutir os seus desejos, é que todas as pessoas dentro do espectro do autismo querem que os outros sejam simpáticos com eles. Desejam construir amizades e não gostam de ter inimigos. Não são diferentes das pessoas neurotípicas nesta vontade de criar e manter relações saudáveis. A diferença encontra-se na sua capacidade mental para a negociação subtil que as relações amigáveis exigem.

As crianças e os adultos com Síndrome de Asperger apresentam dificuldades na interpretação das mensagens sociais. Por outro lado, as mensagens que enviam aos outros são também, frequentemente, errôneas no que respeita às suas intenções. Mesmo os alunos com Síndrome de Asperger que apresentam um elevado padrão de funcionamento, não têm consciência de como as outras pessoas os percepcionam, e das mensagens sociais não intencionais que os seus atos transmitem aos outros. Por exemplo, podem não reparar que são vistos como mal-humorados ou antipáticos quando falham na utilização dos cumprimentos.

A nossa tarefa como pais e educadores é partir estes conceitos complexos em passos concretos e compreensíveis.

Para começar, falamos acerca dos locais e momentos em que nos encontramos envolvidos no pensamento social. Os nossos alunos (incluindo os adultos) normalmente julgam que o pensamento social só é usado dentro de uma interação social como, por exemplo, num encontro com os amigos, num jogo, etc. É preciso gastar algum tempo a discutir este assunto para que os alunos comecem a perceber que o pensamento social está ativo sempre que partilhamos o espaço com outras pessoas, mesmo que não haja lugar a uma comunicação direta. Quem é que não afasta o carrinho das compras no corredor do supermercado para deixar que outra pessoa passe? Isto é pensamento social.

O pensamento social não está ativo apenas quando temos a companhia de alguém, mas sim em todos os momentos em que pensamos nas outras pessoas. Quando estamos sozinhos analisamos interiormente as interações sociais do passado, tentando adivinhar se o outro percebeu as nossas ações da forma desejada. Quando realizamos que fomos mal interpretados ou que agimos mal, telefonamos ou enviamos um email, para clarificar a situação ou pedir desculpas. Aqui está o pensamento social a trabalhar!

O pensamento social domina a nossa mente durante o dia. Nós utilizamo-lo antes, durante e depois de um encontro social. Ajuda-nos a determinar de que maneira nos devemos comportar para que as pessoas tenham bons pensamentos a nosso respeito quando nos voltarem a ver. Se o nosso objetivo é ajudar os nossos alunos a serem melhores pensadores sociais, ensinar-lhes os comportamentos sociais não é suficiente. Também temos que lhes ensinar acerca das mentes das outras pessoas e dos seus pensamentos sociais.

Como? Uma estratégia útil com alunos do 2º ciclo e mais velhos é usar os Quatro Passos da Perspectiva. Esses passos ajudam-nos a reconhecer e considerar os pensamentos que temos acerca das outras pessoas e a ajustar o comportamento mesmo na ausência de comunicação intencional. Utilizamos estes quatro passos em qualquer interação social:

Passo 1: Sempre que duas pessoas partilham um mesmo espaço, têm pensamentos uma acerca da outra. Eu penso a teu respeito e tu pensas a meu respeito.

Passo 2: Eu considero as motivações e intenções do outro. Se o seu aspecto for suspeito, observo-o com um maior cuidado. O outro, por sua vez, também considera as minhas intenções e motivações.

Passo 3: Eu considero o que a outra pessoa pensa a meu respeito. Será positivo, neutro ou negativo? Existe alguma história entre nós que faça com que tenha esses pensamentos?

Passo 4: Eu observo e, possivelmente, modifico o meu comportamento para fazer com que a outra pessoa se mantenha a pensar em mim da forma que eu quero. O outro está a fazer a mesma coisa comigo.

Estes quatro passos acontecem em milésimos de segundos e a um nível intuitivo, abaixo do patamar da nossa consciência imediata. Os três primeiros passos envolvem o pensamento social, apenas o último envolve o comportamento.

Durante as conversas com os alunos, é necessário frisar que este processo está baseado no princípio de que de que todos nós desejamos que as pessoas tenham pensamentos razoavelmente agradáveis a nosso respeito, mesmo num breve encontro. De outro prisma, o oposto disto também é verdade: não queremos que as pessoas tenham pensamentos estranhos a nosso respeito. Pode ser um desafio, para os nossos alunos, perceber que os outros têm pensamentos diferentes, e que todos nós temos pensamentos bons e estranhos acerca das outras pessoas. A maior parte dos alunos com Síndrome de Asperger nunca parou para pensar que também eles têm pensamentos estranhos acerca dos outros.

Muitos dos nossos alunos nunca consideraram o papel das memórias sociais nas suas interações diárias. Todos nós temos memórias emocionais de pessoas, baseadas naquilo que nos fizeram pensar delas ao longo do tempo. Pessoas que levam os outros a ter pensamentos "bons" ou "normais" a seu respeito são frequentemente consideradas simpáticas ou amigáveis e têm mais hipóteses de fazer amigos do que aquelas que criaram uma série de memórias estranhas nas mentes dos outros. Durante o ensino do pensamento social, não só ajudamos os nossos alunos a perceber que são responsáveis pelo seu comportamento, como que as pessoas guardam memórias sociais acerca deles. A razão que me leva a ligar a um colega de trabalho ou a um amigo para pedir desculpas pela forma como as minhas ações podem ter sido interpretadas é fazer com que, no seu cérebro, se construa uma memória social positiva a meu respeito.
Os quatro passos da tomada de Perspectiva acontecem sempre que partilhamos o mesmo espaço com alguém e são um requisito fundamental para o funcionamento de qualquer aluno numa sala de aula. Uma regra implícita nesse contexto é que todos os alunos e professores devem partilhar um pensamento social mútuo acerca dos colegas e que cada aluno é responsável por observar e ajustar o seu comportamento de acordo com isso. Um aluno que não é eficaz nos quatro passos é normalmente considerado como tendo problemas comportamentais.

Os alunos que enfrentam desafios no pensamento social têm que aprender cognitivamente aquilo que nós fazemos de forma natural e intuitiva. Para ajudá-los a compreenderem a tomada de perspectiva, vamos estudar cada um dos quatro passos. Para que o educador seja capaz de compreender com uma maior profundidade este conceito, deve destinar tempo a observar os seus próprios pensamentos sociais e o impacto que têm nas suas ações, quando se encontra na presença de outras pessoas. Desta forma, o seu próprio pensamento social pode servir de guia no ensino dos alunos com Síndrome de Asperger. É comum que os professores vejam os seus alunos tornarem-se bastante interessados nos seus próprios pensamentos e nos pensamentos das outras pessoas, a partir do momento em que conseguem dividir o processo em componentes que possam ser observadas, acerca das quais se possa falar e relacionar com as experiências quotidianas.

Para promover o pensamento social nos indivíduos com Síndrome de Asperge, que apresentam uma inteligência verbal normal ou próxima da norma, é fundamental que não os ensinemos apenas a "comportarem-se" ou a "usarem as competências sociais adequadas", mas sim que o comportamento social é baseado no pensamento social.

http://www.socialthinking.com/

[1] Michelle Garcia Winner, CCC-SLP é internacionalmente reconhecida como uma terapeuta inovadora, uma apresentadora enérgica e entusiasta de workshops e uma autora prolifera. Na sua prática privada, Michelle G Winner’s Center for Social Thinking, ela e a sua equipa consultam indivíduos, famílias e escolas acerca dos tópicos ligados ao pensamento social. Para mais informações acerca dos seus livros, workshops e este assunto em geral, visite http://www.socialthinking.com/